Por várias vezes passeei pela Piazza Marina, em Palermo, somente passando na frente do Palazzo Chiaramonte-Steri. Isso até que, em um belo dia, decidi que era o momento de visitar aquela que um dia foi a prisão da Inquisição Espanhola na Sicília.
Antes de tudo, no centro da Piazza Marina há uma imensa figueira cujas raízes saem dos ramos e se ancoram no chão. Essa árvore também é chamada de figueira-estranguladora, uma vez que suas raízes podem se apoiar em outras árvores que, aos poucos, são estranguladas. Em suma, é uma árvore que combina bem com a história da praça, já que, 3 séculos atrás, era ali que acontecia a execução dos condenados à morte pelo Tribunal da Santa Inquisição.

A figueira-estranguladora da hoje pacata Piazza Marina.
Do outro lado da rua fica o Palazzo Chiaramonte-Steri e, da mesma forma que eu o ignorei, sua história macabra também passa despercebida por muitos turistas. No entanto, com o seu importante papel para Palermo, é um lugar que merece uma visita, sobretudo se, assim como eu, você tem uma paixão pela história. Porque o Palazzo Chiaramonte-Steri é história pura!
Como o Palácio Chiaramonte-Steri se tornou a prisão da Inquisição
Construído no início do século XIV para ser a residência da poderosa família Chiaramonte, que eram senhores feudais, o Palácio certamente tem uma história marcada por eventos sangrentos.
O nome Steri deriva da palavra latina Hosterium, que significa “palácio fortificado”. De fato, este palácio representa a transição da época pacífica e próspera que foi o domínio Normando, para um período decadente e cheio de conflitos. Este período começou com a chegada à Sicília da dinastia Anjou e durou até o final do século XIV, com a decapitação de Andrea Chiaramonte, justamente na frente do Palácio, em 1392.
Posteriormente, com a morte de Andrea e a consequente extinção da família Chiaramonte, o palácio passou a ser a residência provisória dos Aragão antes que os mesmos se transferissem ao Palácio Real (que estava em reforma). Depois disso, o palácio foi temporariamente sede da Alfândega (hoje não mais, mas naquela época o mar chegava até ali) e, por fim, em 1605, tornou-se a sede do Tribunal da Santa Inquisição, mantendo essa função por cerca de 180 anos.
A transformação do Palazzo Chiaramonte-Steri em tribunal da Inquisição exigiu uma total adaptação do edifício. Por exemplo, construíram várias celas e uma sala de torturas, visto que na praça localizada em frente ao palácio se celebrava os Autos de Fé.
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Não se preocupe, pois odiamos spam! Enviamos no máximo um e-mail por mês.A visita guiada
As visitas ao Palazzo Chiaramonte-Steri são guiadas, o que é ótimo para ajudar a compreender o que realmente acontecia lá dentro. No entanto, infelizmente não tem nenhum guia que fale português.
O início da visita acontece pela parte mais antiga do palácio, aquela que era destinada à habitação da família Chiaramonte. Sinceramente, é uma parte que não tem muito para ver, a não ser os detalhes arquitetônicos. Hoje em dia, é a Reitoria da Universidade de Palermo que ocupa esta parte do palácio.

No último andar do Palazzo Chiaramonte-Steri se encontra talvez a sala mais bonita, com um esplêndido teto de madeira (original). Hoje é o Salão Nobre da Reitoria de Palermo.
A prisão da Inquisição
Uma vez nas áreas onde ficavam as celas, o clima muda e entramos no ponto alto da visita. As celas são muito pequenas, algumas somente com uma janela minúscula. A guia ia nos contando a história de alguns prisioneiros, algo que me fascinou muito. Imaginem que mais de 8 mil pessoas foram interrogadas em quase dois séculos. E o triste é que muitas delas eram inocentes, alvo somente de fofocas, denúncias sem fundamento, “culpadas” de serem pensadores liberais, inovadores, artistas ou cientistas.
Usando pedacinhos de carvão ou até mesmo sangue ou fezes misturadas com terra, os prisioneiros deixaram seus registros nas paredes das celas. Por exemplo, alguns escreviam orações, criavam poemas que descreviam as condições piedosas da prisão. Outros ainda relatavam os problemas de saúde dos prisioneiros. Havia até um detalhado mapa da Sicília, provavelmente desenhado ali por alguém que queria testar a própria memória.
Não sei, mas ver todas aquelas escritas (a maior parte em dialeto siciliano ou em latim, afinal a língua italiana naquela época ainda não existia) e desenhos, feitos por pessoas que estiveram presas ali quase 400 anos atrás, é realmente impressionante.

Desde que mundo é mundo desenham nas paredes dos banheiros públicos!
Neste caso, o desenho foi feito acima da latrina para ridicularizar o Inquisidor, ilustrado em sela a um cavalo.
Uma tentativa de apagar as evidências
Sem dúvida, a descoberta dos desenhos nas paredes da prisão da Inquisição ajudou um pouco a reconstruir, e a imaginar, a história daquelas pessoas que passaram por ali. No entanto, infelizmente o arquivo dos prisioneiros foi totalmente queimado em 1783, sob ordem do Vice-Rei Caracciolo, na tentativa de apagar os rastros deixados pela Inquisição Espanhola.
Todavia, os Inquisidores foram obrigados a enviar cópias dos processos à Espanha, de modo que se fizesse as alterações e emendas necessárias. Por isso, ainda é possível encontrar vários documentos relativos aos prisioneiros que passaram pelo Palazzo Chiaramonte-Steri no Arquivo Nacional de Madri.
Informações práticas
- O Palazzo Chiaramonte funciona de terça a sábado, das 9 às 13h e das 14h30 às 18h30, e aos domingos das 10 às 14h;
- As visitas à prisão da inquisição partem de hora em hora, e podem ser em italiano, inglês, francês ou russo. No entanto, dependendo da língua escolhida, pode ser necessário esperar um pouco ou ter que voltar em outro horário;
- O bilhete inteiro que dá direito à visita guiada custa € 8,00.