A carroça siciliana é um dos ícones da Sicília. Com certeza, quem já esteve por aqui, deve ter visto o famoso “carretto”, todo colorido.
Em síntese, o “carretto siciliano” é uma carroça toda ornamentada, puxada por um cavalo ou um burro e que tinha a finalidade de transportar tanto pessoas quanto mercadorias. No entanto, com o passar do tempo, acabou se tornando uma obra-de-arte que caminha, uma tela onde os artistas podiam mostrar seu trabalho e até mesmo um canal de propaganda.
Apesar da carroça em si ser um veículo antigo, o Carretto Siciliano só surgiu mesmo no início do século XIX. Isso porque, até o século XVIII, as condições das estradas da Sicília eram precárias. Algumas vezes, nem mesmo havia estradas, mas apenas caminhos e trilhas. Sendo assim, o transporte era feito ou de cavalo, ou via mar.
Posteriormente, com a construção de uma rede viária adequada à passagem de veículos de tração animal, as carroças começaram a se difundir. De fato, elas eram pequenas, práticas e funcionais, enfim, ideais para o transporte de lenha, de barris de vinho, azeite e outros produtos agrícolas. Além disso, eram também um meio de transporte para levar a família toda para fazer um passeio.

As carroças das pessoas mais pobres eram simples. Havia apenas alguns desenhos. Elas eram pintadas pelo simples motivo de preservar a madeira da ação corrosiva de agentes atmosféricos. Já os mais ricos confiavam suas carroças a verdadeiros artistas, que as decoravam em modo exuberante.
Como nasce uma carroça siciliana
A construção de uma carroça siciliana não era simples. De fato, as peças que a formavam eram trabalhadas, aperfeiçoadas e montadas artesanalmente. Para construir e definir uma, eram necessários vários trabalhadores e meses de trabalho contínuo. Por exemplo, havia uma pessoa especializada em construir a carroça e esculpir os frisos. Um escultor criava os raios das rodas e os elementos representativos. Um ferreiro forjava as peças metálicas e se encarregava da montagem de tudo que tivesse pinos, parafusos, porcas, suportes e jantes e, às vezes, até fazia decorações de ferro forjado. Outro artesão realizava os arreios e decorações dos cavalos.
Por fim, quando a montagem da carroça terminava, o trabalho passava para o decorador e o pintor. Um decorava a carroça siciliana com motivos geométricos, as superfícies da caixa, rodas, etc. O outro realizava os detalhes e o acabamento, representando em forma de pintura as histórias de cavaleiros, seres mitológicos, eventos históricos ou fictícios que caracterizam a carroça siciliana, tornanda-o única. As cores utilizadas eram sobretudo o amarelo, vermelho, verde, laranja, ouro e prata. Além disso, as cenas pintadas contavam verdadeiras histórias, como um gibi.
De todo modo, as ilustrações coloridas e bem elaboradas da carroça siciliana ajudaram a transmitir conhecimento a uma população que em sua maior parte era analfabeta.
Os tipos de carroça siciliana
Podem parecer semelhantes, mas na verdade existem três tipos de carroça siciliana. Primeiramente, há uma com lados baixos e retangulares, chamadas “U Tiralloru”, que servia para transportar a terra. O outro tipo tem lados retangulares maiores, e era usada para transportar trigo. Era chamada “U Furmintaru”. Enfim, tem aquela denominada “U Vinaloru”, com lados em forma de trapézio e tábuas inclinadas, utilizada para o transporte de vinho.
A carroça tem diferentes características também dependendo da área em que é produzida.
Na área de Palermo, a carroça tem lados trapezoidais, a tinta de fundo é amarela e há, sobretudo, decorações geométricas. Os temas representados variam entre histórias de cavaleiros e religiosas, realizadas basicamente com tons de vermelho, verde, amarelo e azul.

Carroças “estacionadas” em uma rua de Palermo, a salita Artale.
Em Catania, as laterais são retangulares, a tinta de fundo é vermelha (simbolizando a lava do Etna) e as esculturas e decorações são mais refinadas. Além disso, elas têm um melhor acabamento, diferente do estilo mais simples de Palermo. Há muito mais entalhes que dão uma perspectiva tridimensional, e nas pinturas há mais detalhes de cores, sombras e efeitos claro-escuro.

Detalhes de uma carroça siciliana realizada segundo o estilo de Catania. Foto: Commons.
Menos conhecido é o estilo de Vittoria, no qual a carroça siciliana tem uma estrutura semelhante àquela realizada em Catania. Ela tem o vermelho como a cor de fundo, mas nas máscaras se distingue pela sua característica gradação escura. As pinceladas, tanto nas pinturas quanto nas decorações, caracterizam-se por um golpe limpo, “instintivo”, em oposição ao pincel refinado e matizado da região de Catania.
Da zona rural para as passarelas e lojas de souvenir
Obviamente a carroça siciliana não é mais usada para o transporte nos dias de hoje. Contudo, elas ainda mantêm um lugar especial na cultura popular da ilha e acabaram virando um objeto de decoração, ou mesmo um souvenir que os turistas podem levar para casa de lembrança.
De fato, é possível encontrar versões em miniatura das carroças na maioria das lojas de souvenir. Além disso, a tradição continua em veículos motorizados modernos, como as Ape Piaggio, Vespas, Fiat 500, que são pintados no espírito das carroças clássicas.

Um caminhãozinho Ape Piaggio, usados na zona rural hoje em dia, pintado como se fosse uma carroça siciliana. Foto: @liberamente – Flickr
E como não citar toda a linha de moda de roupas de banho, roupas de alta moda, óculos de sol, que a grife Dolce e Gabbana dedicou ao carretto siciliano? Até mesmo a fabricante de eletrodomésticos Smeg colaborou com os designers, realizando uma linha exclusiva inspirada no tema siciliano.

Já imaginou uma dessas na sua cozinha? Você pode ter uma geladeira Smeg com design Dolce & Gabbana pela bagatela de 30.000 euros!
Em conclusão, com o passar dos anos, a carroça siciliana foi reinventada de várias maneiras, um exemplo do espírito criativo deste povo. Mas mesmo que tenha quase desaparecido, ainda representa o objeto mais conhecido e significativo da arte popular siciliana.
Museus da Carroça Siciliana
Por fim, se você quer conhecer um pouco mais do trabalho desses incríveis artesãos, hoje em dia raros, pode visitar alguns dos museus do “carretto”. Os principais são:
- Em Palermo – Museo del Carretto Siciliano Franco Bertolino. O Sr. Franco é um construtor e, acima de tudo, um decorador de carroças sicilianas. Em toda a Sicília, continua a ser o único artista que, há cinco gerações, ainda realiza carroças na área de Palermo. A oficina dele fica pertinho da Catedral de Palermo, na Salita Artale, um beco que é um verdadeiro um museu ao ar livre, com carroças históricas e outros veículos decorados.

Uma das obras do Sr. Franco que fotografei na Salita Artale.
- Em Aci Sant’Antonio: Na pequena Aci Sant’Antonio, região metropolitana de Catania, existe um museu com uma ótima coleção de carroças sicilianas muito coloridas. Você pode apreciar os detalhes de pinturas e esculturas encontrados nesses antigos meios de transporte sicilianos. Além disso, alguns painéis ilustram a história e a técnica do carrinho em detalhes. Há também alguns componentes dos carros em exibição. A entrada é gratuita e funciona de segunda a sexta-feira das 9 às 12h e das 16h às 19h. Aos sábados das 9 às 12h. Endereço: Via Vittorio Emanuele, 120 – Aci Sant’Antonio.
- Em Bronte: O Museu do Carretto, em Bronte, além das carroças, tem também carruagens e antigas charretes. Além disso, há mais de 300 peças, entre bancos, rodas, ornamentos de cavalos, e muitos outros objetos que fazem parte do folclore tradicional siciliano. A entrada é gratuita, mas o museu só abre mediante pedido. Entre em contato com eles clicando aqui.
Planeje sua viagem
Boa tarde! Me chamo Vitor e estou fazendo um trabalho sobre o “carretto siciliano” e o “fileteado porteño” na Universidade de Évora, Portugal, juntamente com a Cátedra Unesco em Patrimônio Imaterial e Saber-Fazer Tradicional: Interligar Patrimônios. Para tal preciso de algumas imagens para a apresentação do trabalho e gostaria de usar algumas imagens que achei interessante desse artigo. Assim, você me daria a permissão de utilizar suas imagens para o trabalho com a devida referência? O trabalho será exposto no site da universidade e pela UNESCO. Se você autorizar o uso das imagens, poderia me enviar para o email – vitor-p-vieira@hotmail.com – com o aceite? Antecipadamente, obrigado!